Breve História de Quase Tudo

Capa da edição portuguesa do livro Breve História de Quase TudoJá pensou em rolar de rir lendo uma obra de divulgação científica? E não porque as idéias sejam estapafúrdias, e sim pelo próprio estilo do autor. O que mais podemos fazer quando alguém diz:

“Não pretendo lançar uma nota lúgubre neste ponto, mas o facto é que a vida na Terra tem uma outra qualidade muito pertinente: extingue-se. Com bastante freqüência.”?

Na minha vez, tive que me dobrar de tanto dar risada.

De modo geral leio dois ou três livros ao mesmo tempo, sem contar revistas, gibizes, folhetos de supermercado e catálogos de bugigangas. Desta vez, no entanto, parei tudo para me dedicar a um só. A novidade é que, além de ser o melhor que li no ano – quiçá de muitos anos – este não é um livro de ficção, e sim de ciências. Quais ciências? Bom, aí reside o grande trunfo do autor: ele não as separou em matérias estanques, do jeito que se faz comumente na escola; elas estão interrelacionadas igualzinho o que acontece no mundo real. A capa do livro ilustra bem isso: um novelo de lã representado como o globo terrestre, porque a cada assunto abordado o autor logo puxa outro.

Assim, o que começa pelo começo [o que em termos científicos significa o Big Bang] no primeiro capítulo já adentra no terreno da Filosofia, Física, Química, Geologia, Astronomia, Arqueologia, História e um tempero especial que viria a permear toda a obra: muito senso de humor e um tiquinho de fofoca. Ciumeiras, traições, amizades rompidas, adultérios – pequenos causos contados em roda de amigos como se se tratassem de pessoas comuns, com sentimentos e defeitos. Ei… eles são. Gênios, é verdade, mas essencialmente pessoas. É assim que sabemos que Marie Curie ganhou um Nobel de Química e um de Física e teve seu ingresso na Academia de Ciências francesa rejeitado porque tinha um affair com um homem casado. Pierre Curie já era morto, atropelado antes que os efeitos da radiação que ambos estudaram durante anos o matasse de forma mais cruel.

É claro que as descobertas científicas nem sempre são para o bem; um exemplo disso são dois dos maiores desastres ecológicos do século XX, a gasolina aditivada com chumbo tetraetila e o CFC ou clorofluorcarbono – ambos sob responsabilidade de Thomas Midgley Jr. A toxicidade do chumbo foi reconhecida já há algumas décadas, mas apenas em 2001 os EUA proibiram a solda de chumbo nas latas de alimentos. Os níveis de chumbo na atmosfera emitidos pelos escapamentos dos carros e a recuperação da camada de ozônio corroída pelo CFC, no entanto, ainda levarão alguns milhares de anos para voltar ao normal. Noutro exemplo do modo como as ciências se interrelacionam, devemos a proibição desses dois elementos ao geólogo Clair Patterson, que andava a desenvolver um sistema confiável de datação da Terra e se deparou com amostras contaminadas. Foi uma luta que ele travou durante 50 anos.

O livro foi lançado em 2003, o que torna as informações bastante atuais e nos faz perceber – aos maiores de 20 e poucos anos, pelo menos – que muita coisa que aprendemos na escola estava errada. Ou, como o autor diz algumas vezes, no mínimo muito longe da verdade. Bill Bryson é americano, casado e estabelecido na Inglaterra e sem nenhuma formação acadêmica na área: um leigo. Nesse site é possível assistir à apresentação que fez à Royal Society no ano passado, quando ganhou o Aventis Prize for Science Books. Em 2005 ele preside a Comissão Julgadora do mesmo prêmio. Este é o único [tomara que apenas o primeiro] livro de divulgação científica do autor, mais conhecido pelos seus livros de viagem – dois deles publicados por aqui pela Companhia das Letras.

Para quem deseja se estender além do “breve”, aprofundar os estudos, o livro traz nove páginas contendo a bibliografia pesquisada. O índice remissivo ocupa outras onze páginas e quebra um galhão.

O grande defeito de “Breve história de quase tudo” é não estar disponível no Brasil. A não ser que não tenha problemas para ler no original em inglês, a única alternativa é a tradução portuguesa de Daniela Garcia. Por mais que o idioma seja o mesmo português, ainda há aquelas expressões características que nos são desconhecidas – e o que quase me fez pensar que ler em inglês é menos complicado.
;o)

Graças aos amigos tugas que, sempre muito gentis, esclareceram o significado de algumas das mais difíceis, a leitura pôde seguir sem grandes sustos. E, caso mais alguém esteja a ler o mesmo livro e tropeçando nas mesmas dificuldades que eu tive, cá está a colinha.

alforreca = uma parente maior da água-viva
bolas-de-berlim = o doce que chamamos sonhos, no Brasil
estar/ficar nas suas sete quintas = “estar contente”. Provem de uma lenda (ou verdade nem sei) antiga, que os reis portugueses possuiam aqui no concelho do Seixal onde eu vivo, margem sul do Tejo, sete quintas (das quais algumas ainda existem – a ver só me lembro de 3, Princesa, Varejeira e Atalaia) e onde o rei e a comitiva passavam varios dos seus fins-de-semana. Daí quando estavam felizes estavam nas suas sete quintas. [PreDatado]
poias de vaca = montinhos de esterco
solha = peixe que no Brasil chamamos de linguado
ver-se grego = Na Idade Média era até frequentíssimo este dito, muito usado pelos que faziam transcrições ou traduções: “Graecum est, non legitur” — “É grego, não se entende”. Inda hoje se diz — “isto para mim é grego”, ou seja, “não percebo nada disto”.

As citações distribuídas no final-de-semana foram retiradas do livro; tem outras, mas essas quatro foram as que mais gostei.

Breve História de Quase Tudo [A Short History of Nearly Everything]
Bill Bryson
Tradução de Daniela Garcia
494 páginas
Quetzal Editores [Portugal]
4ª edição, 2005

Capa da edição brasileira do livro Breve História de Quase udoAtualização: A Editora Companhia das Letras publicou Breve História de Quase Tudo no Brasil mais tarde, no mesmo ano.

Sinopse: Ao constatar que ignorava o porquê dos oceanos serem salgados, o renomado escritor e cronista Bill Bryson percebeu, com certo desagrado, que tinha pouquíssimo conhecimento sobre o planeta em que vivia. A indagação o propeliu à tarefa épica de entender – e explicar – tudo o que sabemos sobre o mundo.
Bryson parte da origem do universo e segue até os dias de hoje, tratando de assuntos relacionados à física, geologia, paleontologia e todas as outras disciplinas que considerava “maçantes” na escola. Antítese do texto didático tradicional, sua prosa foge dos jargões técnicos sem nunca abrir mão da profundidade. A preocupação do autor está em entender como os cientistas realizam suas descobertas. Para compilar esta Breve história de quase tudo, Bryson consultou dezenas de obras e pesquisadores e montou o que pode ser considerado um delicioso guia de viagens pela ciência.
“Um clássico moderno da escrita científica.” – The New York Times
“Um diário de viagem pela ciência, escrito por um guia inteligente, engajado e bem-informado, que ama o assunto e está louco para dividir esse prazer” – The Times
Breve História de Quase Tudo
Editora: Companhia das Letras
Tradução: Ivo Korytowski
Ano: 2005
Edição: 1
Número de páginas: 541

Correção

Anônimo said…
eu tenho esse livro… ele é muito bom…aconselho vivamente…
agora, uma pequena correcção: solha é um peixe de aparência espalmada como o linguado, mas nao sao a mesma coisa. Linguado também existe cá com esse nome.
9 de Dezembro de 2007 15:35

3 comentários sobre “Breve História de Quase Tudo

  1. po, n acho esse livro pra dl, n gosto de ler livro no pc mas infelizmente n tenho condições de comprar o livro, agora larga de ser mostro e manda o livro pra por email com subject : livrim do mostro, por favor?? pode ser nessa versão em portugues de portugal msmo…agradecido.

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