Seed cake / Bolo de sementes

Caraway seed cake, bolo de cominho

Caraway seed cake, bolo de cominho

Lady Selina engoliu o último pedaço amanteigado e olhou vagamente em redor. Henry logo apareceu. Não rápida nem apressadamente. Parecia ter surgido ali de súbito.
– A senhora deseja mais alguma coisa? – E sugeriu atenciosamente: – Bolo, por exemplo?
– Bolo? – Lady Selina pensou nisso, hesitante.
– Estamos servindo um ótimo bolo de cominho que eu recomendo à senhora.
– Bolo de cominho? Faz anos que eu não como bolo de cominho! É bolo de cominho de verdade?
– É, sim, minha senhora. O cozinheiro usa essa receita há não sei quantos anos. A senhora vai gostar, tenho certeza.
Henry olhou para um dos seus ajudantes, e o rapaz disparou em busca do bolo de cominho.
[Agatha Christie, O Caso do Hotel Bertram, trad. Rachel de Queiroz. 7ª edição. Rio de Janeiro: Record, 2001]

Levanta a mão quem lê livro ou assiste série/filme e fica de olho no que os personagens comem. o/

Antontem eu finalmente terminei de ver a segunda temporada de Poirot, que se encerrou com a adaptação da primeira aventura do detetive de Agatha Christie [O Misterioso Caso de Styles] e é claro que acabei com vontade de comer um dos quitutes mencionados: desta vez foi seed cake, um simples bolo “temperado” com sementes típico não apenas na Inglaterra, mas também na Terra Média, apreciado por humanos, hobbits e anões igualmente.

– Um pouco de cerveja me cairia melhor, se não lhe fizer diferença, meu bom senhor – disse Balin, agitando a barba branca. – Mas eu não recuso um pouco de bolo… bolo de sementes, se você tiver.

– Um monte! – Bilbo se viu respondendo, para sua própria surpresa; e se viu também correndo até a adega para encher uma caneca de cerveja, e depois para a despensa para pegar dois belos e redondos bolos de sementes que fizera aquela tarde para petiscar depois do jantar. [J. R. R. Tolkien, O Hobbit, trad. Lenita Maria Rímoli Esteves, Almiro Pisseta. 2ª Edição. São Paulo: Martins Fontes, 1998]

Eu demorei séculos pra perceber que o bolo de cominho do Hotel Bertram e o bolo de sementes do Bilbo Bolseiro são a mesma coisa. Aliás, durante muito tempo procurei receita do tal bolo de cominho sem sucesso… O seed cake já estava caindo no esquecimento na época de Agatha Christie [bom, após a Segunda Guerra, pelo menos], mas era muito comum durante a Era Vitoriana. Sua origem pode ser rastreada até o século 16 e é citado também nos Contos de Cantuária, de Chaucer.

Nas primeiras receitas de seed cake que se tem notícia usava-se fermento biológico [então, tecnicamente, era um pão], cerveja do tipo ale e nenhum açúcar. As sementes eram erva-doce ou cominho. Mais tarde, os galeses [ou os irlandeses] substituíram a ale por brandy, tiraram o fermento biológico e adicionaram açúcar e noz moscada, que combina muito bem com sementes de cominho.

Eu sei, estamos acostumados com o cominho em pó pra temperar carnes, né? Mas acho que já vi em grãos por aí.

As receitas modernas são mais leves e úmidas, usam fermento químico em pó, manteiga e uma quantidade maior de açúcar, e o elemento alcoólico passou a ser opcional. A versão mais moderna [e portanto não deve ser a que foi servida a Lady Selina] é um bolo de limão com sementes de papoula.

O cominho foi muito popular entre o séculos 17 e 20 por causa do festivais da colheita, que ocorrem perto do equinócio de outono no hemisfério norte. Os primeiros bolos eram assados redondos como um escudo; mais tarde em formas com um furo no meio [como nos episódios de Poirot e Miss Marple] e atualmente em formas de bolo inglês ou de pão de fôrma.

Bolo de cominho

110g de manteiga em temperatura ambiente
110g de açúcar refinado
2 ovos grandes, batidos
150g de farinha de trigo já com fermento
25g de amêndoas trituradas
2-3 colheres [sopa] de leite
2 colheres [sopa] bem cheias de sementes de cominho
2 colheres [sopa] de açúcar demerara [ou açúcar cristal, na falta do demerara]
1 colher [sopa] de amêndoas fatiadas fininhas, levemente amassadas

Preaqueça o forno a 180º C. Fôrma: redonda, 18 cm, untada e enfarinhada ou untada e forrada com papel-manteiga.

Bata a manteiga com o açúcar até ficar um creme claro e fofo. Acrescente os ovos batidos aos poucos, batendo sempre. Quando estiver bem homogêneo, pegue uma colher de metal e incorpore as amêndoas trituradas, as sementes de cominho e a farinha bem delicadamente. Adicione o leite aos poucos até obter uma consistência que a massa caia da colher. Coloque na forma preparada. Alise a superfície com as costas de uma colher e salpique o açúcar demerara e as amêndoas em flocos. Asse no meio do forno por uma hora ou até que o bolo pareça estar encolhendo, afastando-se da parede da assadeira. Deixe esfriar durante 10 minutos antes de desenformá-lo. Deixe esfriar completamente numa grade aramada.

Delia diz que fica melhor depois de um ou dois dias, então embrulhe em papel alumínio e guarde numa lata.

Fontes:
Good Cookery
Wikipedia
Wise Geek

Lista de desejos
Livro Appetite for Murder, de Kathy Borich [amostra grátis em PDF no site da autora]
Livro A Taste of Murder, de Jo Grossman e Robert Weibezahl
Livro A Second Helping of Murder: More Diabolically Delicious Recipes from Contemporary Mystery Writers, de Jo Grossman e Robert Weibezahl

11 comentários sobre “Seed cake / Bolo de sementes

  1. \o (também presto atenção nos comes e bebes dos filmes..)

    O tal bolo parece apetitoso, nham! Ainda no assunto comida: já viu o Rainhas do Lar? Cada vez que visito o site dá vontade de sair cozinhando, de vez em quando aterrissa algo diferente na mesa e o povo já pergunta: é do rainhas do lar? (hehe)

    Beijocas!

  2. Maldade! Aqui já passou da meia-noite e vc me fez pensar agora “será que tenho cominho?” 😉
    Maldade também é da JK Rowling descrever tanta comida que não existe, né? (já tentei umas receitas de butterbeer que não ficaram lá essas coisas… humff)

  3. Pingback: Follow Friday Blogs (#17) | Garota It

  4. Fantástico! Cheguei aqui justamente depois de ler O Caso do Hotel Bertram e a cena envolvendo o bolo de cominho, e após passar um tempo digitando diferentes combinações de “bolo / cake” + “cominho / cumin” no buscador.

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