A Lulu Coruja comentou lá no post dela pro Desafio Literário que estava a fim de escolher um Agatha Christie pro mês dedicado a serial killers, mas já tinha lido Os Crimes ABC. Lembrei de um outro [E Não Sobrou Nenhum, antigo O Caso dos Dez Negrinhos] – que ela também já leu.
Daí fiquei matutando: verdade, titia Agatha quase não investiu no tema em seus mais de 60 romances e inúmeros contos. Tem assassinatos múltiplos, claro, porém são mais na linha “silenciar uma testemunha ou alguém que suspeita do primeiro crime” ou para eliminar uma sucessão de obstáculos a um objetivo.
Minha impressão é que a escritora valorizava mais as vítimas dos que os criminosos. Muita vez seus detetives criticavam os que pensavam diferente: a investigação da maioria dos casos tinha como objetivo limpar os inocentes das suspeitas. Ao contrário do que vemos atualmente, ela não fazia um jogo de gato e rato em que o detetive tem de provar que é mais inteligente do que o criminoso. O mais próximo disso a que ela chegou foi justamente em Os Crimes ABC, em que Hercule Poirot é desafiado a identificar e capturar um assassino em série que usa um guia ferroviário para escolher suas vítimas, o ABC Railway Guide.
Definição de assassino em série/serial killer: O FBI define um serial killer como uma pessoa que mata três ou mais vítimas, com períodos de “calmaria” entre os assassinatos. Isto os separa dos assassinos em massa, que matam quatro pessoas ou mais ao mesmo tempo (ou em um curto período de tempo) no mesmo local, e dos assassinos turbulentos, que matam em vários locais e em curtos períodos de tempo. Os serial killers geralmente trabalham sozinhos, matam estranhos, e matam por matar (diferentemente dos crimes passionais). Geralmente os serial killers demonstram três comportamentos durante a infância, conhecidos como a tríade MacDonald: fazem xixi na cama, causam incêndios, e são cruéis com animais. [HowStuffWorks]
A gratificação que conseguem é psicológica, não material, e eles são desconectados das vítimas, isto é, para eles as vítimas não têm humanidade ou individualidade.
Em E Não Sobrou Nenhum, dez pessoas são convidadas sob diversos argumentos para uma temporada numa ilha. O assassino incógnito acusa cada uma de um crime passado e começa a eliminá-las seguindo os versos de uma cantiga infantil. É o romance de mistério mais vendido no mundo. Titia Agatha adaptou-o para o teatro e a mulher era tão danada que mudou o final – assim, quem leu o livro e foi ao teatro foi surpreendido pela Duquesa da Morte. De novo.
A questão do intervalo de tempo na definição do FBI invalidaria classificar esse livro na categoria de serial killer, mas para o Instituto Nacional de Justiça dos EUA o intervalo pode variar de horas a anos, então sim, é um romance sobre serial killer.
Depois puxei mais um pouco pela memória e lembrei de mais quatro histórias em que os assassinos cometeram crimes em série. O problema é que em três livros isso faz parte da solução final, ou seja, se eu identificá-los aqui estaria cometendo um baita spoiler ao contar qual o padrão, pois isso exporia a identidade de quem perpetrou os assassinatos.
Se você não liga pra spoilers ou já leu tudo da Tia Agatha, clique e arraste aqui pra ver quais são –> Morte na Praia, Cai O Pano e Mistério no Caribe <– fim dos spoilers.
De modo geral, os romances policiais de Agatha Christie são do gênero confortável, em que os criminosos são punidos [de uma forma ou de outra], os inocentes inocentados e as vítimas recebem justiça, ao mesmo tempo em que se tenta evitar um clima “justiceiro”. A justiça é aplicada pelas autoridades.
As autoridades no Irã afirmam que uma mulher acusada de ter matado pelo menos seis pessoas disse que se inspirou nos romances policiais da escritora inglesa Agatha Christie. [BBC, 24/5/2009]
O terceiro livo em que a Dama do Crime aborda serial killers que eu posso mencionar livremente sem estragar o final é o romance É Fácil Matar. O título em si já deixa claro a natureza desumana do assassino em série [Murder Is Easy, no original em inglês]. Na trama, um policial aposentado viaja de trem [obsessão da autora] na mesma cabine que a simpática velhinha Miss Pinkerton, que lhe lembra muito de uma tia querida.
Miss Pinkerton está preocupada com alguns acidentes ocorridos em seu vilarejo e está a caminho da Scotland Yard. Ela parece aflita porque acha que sabe quem é a pessoa que cometeu os crimes e qual a próxima vítima, e Luke espera que os policiais a tratem com respeito na Yard, embora ache que são preocupações sem fundamento de uma velhinha meio caduca. Ele chega a pensar mesmo que a polícia deve ter um departamento só para atender a tia de alguém.
No dia seguinte, ele lê no jornal que Miss Pinkerton morreu atropelada antes de chegar à Scotland Yard e decide partir para Wychwood-under-Ashe para investigar. O livro não está entre as obras-primas da escritora, mas é uma diversão honesta e tem até uma boa porção de romance.
Está aí. Não sei se a Lulu leu este último, mas ficam as três dicas para quem participa do Desafio e precisa de ideias leves neste tema pesado.