O jornalista Alexandre Inagaki, do sempre ótimo blog Pensar Enlouquece, Pense Nisso, teve a iniciativa de relembrar os acontecimentos ocorridos a partir do Dias das Mães de 2006: o ataque coordenado pelo Primeiro Comando da Capital no Estado de São Paulo.
Três anos é o prazo após o qual cadáveres que estão em sepulturas individuais vão para covas coletivas, conforme procedimento padrão adotado nos cemitérios públicos de São Paulo. Arual Martins, promotor criminal que trabalha na zona Sul da capital, região que concentrou o maior número de casos no já distante mês de maio de 2006, declarou: “Qualquer apuração criminal, o tempo vai apagando e deixando tudo muito longe. À medida em que o tempo vai passando, tudo vai sumindo. A memória se perde.” [Alexandre Inagaki in Há 3 anos]
Este é o tipo de coisa que não podemos esquecer, nem tanto pelo mero aspecto criminoso da ação mas, principalmente, porque deveria ter sido um chamado à realidade para a sociedade isolada na fantasia de segurança proporcionada pelos sistemas de segurança particular.
Ah, mas você mora em Pedra Lascada, Titia Batata, que risco havia então?
Bem, para começar, a cidade é cortada pela via expressa que é caminho entre SP/Capital e as prisões de segurança máxima a oeste do Estado. Tanto minha casa quanto o local de trabalho ficam a uma quadra desta via expressa. Eu saía do trabalho e tinha de esperar os carros de transporte de presos liberarem o trajeto, quando as autoridades transferiam os líderes de facção de um local para outro na tentativa de cortar a comunicação entre eles e enfraquecer o movimento.
Durantes quase três meses, as ruas em frente e atrás da minha casa ficaram bloqueadas por tambores porque eram o local de alvos de ataque: o fórum e a delegacia de Polícia Civil. Eu planejava meus horários para não coincidir com os da então Juíza de Direito daqui, que só chegava e saía escoltada pelos policiais militares.
Durante a fase mais grave da crise, os funcionários da CPFL foram recolhidos por ordem da matriz: não importa o problema que fosse, ninguém sairia para a rua. Ao ligar para o atendimento da empresa, o cliente seria informado que teria de aguardar até que fosse seguro para o funcionário deslocar-se até o local.
Imagino que muita gente deve ter compreendido a situação, mas o que me ficou gravado na memória dessa época foi uma pessoa que não entendeu o risco a que expôs um funcionário ao enviá-lo para o presídio em Marília, a menos de 20km, para resolver um problema de conexão com a Internet durante o período mais crítico dos atentados, ou seja, enquanto os presos estavam rebelados.
Essa falta de consideração com a segurança de uma pessoa tanto por parte do colega de empresa que o enviou até lá, quanto por parte do cliente que exigiu a prestação do serviço, me deixaram lívida por implicarem um egoísmo tão profundo que nem foi percebido por eles.
De certa forma, é essa mesma incapacidade de se colocar no lugar do outro, essa filosofia do “farinha pouca, meu pirão primeiro”, que foi posta à prova há três anos. Algumas pessoas aprenderam, tenho fé, mas outras não. É por isso que não podemos esquecer e nem nos acostumar.